domingo, 25 de janeiro de 2009

Livro da Semana - O Velho e o Mar

Um dos grandes livros do que de um dos maiores nomes da literatura norte-americana e mundial no século XX, O Velho e o Mar, é uma história de determinação, luta contra adversidades e vitórias.
Lançado em 1952, é um livro bem diferente das obras caracterizaram a obra de Ernest Hemingway (1899-1961), sempre calcadas em suas experiências ligadas à observações dos acontecimentos históricos dos quais participou ativamente, como na Primeira Guerra Mundial e a Guerra Civil Espanhola, expressas em obras como O Sol Também se Levanta (1926), Adeus às Armas (1929) e Por Quem os Sinos Dobram (1940).
De estilo direto e pouco adepto a enfeites ou ornamentos, com narrativa bem definida e com linguagem em que procura evitar sentimentalismos, Hemingway parece-nos, numa primeira leitura, um autor de estilo seco, podendo-se, com isso, ter uma impressão, errônea, de superficialidade, o que gera uma leitura apressada e desatenta. No entanto, em obras como O Velho e o Mar, livro ímpar dentro de sua obra, o autor vencedor do Nobel de 1954, apresenta-nos uma história envolvente em que mescla um realismo psicológico e valores simbólicos, contada de uma forma delicada e tocante.
O Velho e o Mar narra a história de um pescador chamado Santiago, que, por ironia do destino e pelas forças que em dados momentos lhe faltam, vem passando por uma “maré de azar”, e muitos em sua vila já não o respeitam mais. Mas o velho tem num garoto, a quem ensinou toda a arte da pescaria, o apoio de que necessita, embora os pais deste tenham-no proibido de sair para o mar com o homem, pois este é “azarado” e não é mais capaz de trazer pescado para casa.
Santiago, numa manhã de sol quente, sai em seu barco, solitário, e vê ao longe as demais embarcações. Sente-se sozinho, por não ter companhia de nenhum outro homem e por não ter o garoto de quem tanto gosta a seu lado, mas, em contrapartida, sente-se reconfortado, sente-se ligado ao mar. Lança sua isca ao mar, e algum tempo depois sente que fisgou algo grande, mas é tem a paciência e experiência necessária para não se afobar, para não usar suas energias em vão numa luta contra o peixe, e resolve cansa-lo, deixando-o sentir uma falsa liberdade. O peixe vem à tona e, como o pescador imaginava, trata-se de um enorme animal, lindo, muito maior do que o próprio velho imaginava.
Após dias e noites em que o velho tem como única companhia o peixe e o imenso mar azul e, à noite, as estrelas sobre sua cabeça, com a determinação de um velho homem do mar, Santiago consegue, finalmente, cansar o peixe e o acerta quando este se aproxima do barco. Quando a maré de sorte parece à favor do homem, tudo muda, tal como o mar em dias de tormenta...
É uma história comovente e tempo encorajadora, de uma força nas palavras que envolvem o leitor, que o prende da primeira a última página, que narra a história de um homem em sua luta não só contra a natureza (simbolizada no peixe), mas contra si próprio, quando sua razão mostra que é hora de desistir, mas que seu coração, determinado, insiste em lutar, mesmo quando tudo parece contrário.

Uma Nuvem no Deserto - conto


Formava-se na camada mais alta da atmosfera uma tempestade. Várias nuvens se espremiam umas contra as outras, de forma que sequer um raio de sol pudesse passar por entre elas. Aos pés da tempestade formava-se uma imensa sombra escura, feia, e os animais, já percebendo o que se aproximava, fugiam para seus abrigos, onde poderiam se esconder até a tormenta passar, quando o sol voltasse a brilhar no céu.
Mas uma única e solitária nuvem, a menor e mais nova de todas, ainda se mantinha distante das demais. Seus olhos estavam fixos num ponto distante, onde nuvem alguma se aproximava. Lá o sol sempre brilhava escaldante, brisa nenhuma soprava e até os animais fugiam dali. Tratava-se de um deserto, o maior, mais quente e solitário deserto do mundo.
A pequena nuvem se perguntava por que nada se aproximava daquele deserto, por que vida alguma conseguia brotar naquele solo áspero.
Algumas nuvens, já impacientes, falaram, e suas vozes eram como o ribombar de trovões, chamando pela nuvem desgarrada, pois deveriam, todas, seguir para o caminho inverso ao que a pequena nuvem olhava.
A pequenina levantou sua voz, mas ainda era tão jovem que só se ouviu um trovão longínquo, fraco, perguntando por que tinham que ir para tão distante, ao invés de irem ao deserto, onde poderiam despejar suas águas e, assim, tornar o deserto um lugar cheio de beleza e vida, um verdadeiro oásis.
- Podemos fazer brotar do coração do deserto um imenso e caudaloso rio, e assim torna-lo um lugar cheio de vida. Por onde as águas corressem, a vida surgiria – disse a pequena nuvem.
As nuvens maiores e mais velhas debocharam e seguiram o seu caminho, deixando a pequenina para trás. Agora sozinha, a nuvem não sabia o que fazer, e muito lentamente começou a descer, a se aproximar do deserto. Sentia o calor do sol queimar as suas costas, e teve vontade de chorar, mas segurou as lágrimas que já surgiam em seus olhos, pois aquela água que escorria de dentro de si deveria ser dada ao deserto, não desperdiçada.
Já em cima do deserto, ela o observou por inteiro. Viu as imensas dunas que se moviam devagar, porém constantemente, com a calma de quem não tem pressa em chegar a lugar algum. Viu a luz do sol refletida naquela areia tão fina, tão clara, que quase ficou cega ao olhar para o chão.
Navegando pelo céu, ela chegou até o meio do deserto, onde ficava seu coração, e olhou pela última vez, e sorriu. Jurou ver, ao despejar suas primeiras águas, um sorriso na face do deserto, que bebia o precioso liquido que caía do alto. Nesse momento ela chorou, mas de felicidade, e deu toda a vida que tinha dentro de si ao deserto, e quando, já prestes a desaparecer, quando seu corpo já se desfazia em inúmeras e pequenas nuvens difusas, brancas e belas, viu por sobre elas o imenso céu azul, tão límpido como jamais havia visto, quando, já fechando seus olhos para dormir, viu, de onde tinha lançado suas águas, se formar um imenso e belo arco-íris.
Ali, no coração do deserto, onde a nuvem tinha jogado suas águas, começou a nascer um rio, que logo correu até onde seus pés alcançavam, para dentro do mar, onde se jogou, e por todo o caminho que percorreu surgiu uma vida nova, verdejante, bela. O deserto tornou-se uma imensa floresta, jovem, cheia de vida. E outras nuvens, não mais o reconhecendo, jogaram sobre ele suas águas, sua vida.
O deserto, que agora era uma imensa floresta, a cada vez que sentia a água da chuva cair sobre seu corpo, lembrava-se daquela primeira e pequena nuvem, que fora a primeira a lhe dar a vida, a lhe dar suas águas. Se não fosse por ela, jamais teria deixado de ser deserto, em seu corpo jamais teria nascido vida. E sempre que via, após o cair da chuva um arco-íris, lembrava-se da pequena nuvem; via em cada arco-íris seu sorriso.

domingo, 18 de janeiro de 2009

A História de um Girassol - conto

Era um imenso campo de girassóis em flor, que, desde as primeiras horas da manhã seguiam o sol, em seu trajeto pelo firmamento. Mantinham-se eretas, firmes, esticando seus lânguidos corpos, como se desejassem se libertar das raízes que os prendiam ao chão e partirem de encontro àquele a quem tanto adoravam. Eram flores belas, exuberantes, de um amarelo tão intenso que parecia que a luz do sol havia se infiltrado em suas pétalas. Mesmo quando o sol, em dias nublados, mal aparecia por entre as nuvens, as flores o seguiam com seus olhos, ávidos por vislumbrá-lo nem que fosse por um único instante.
Mas havia uma planta, a única em todo o campo, que não era como as outras, que permanecia cabisbaixa durante todo o dia. Enquanto os outros girassóis ao seu redor se esticavam, a ponto de se libertarem das amarras, esse girassol ficava tão encolhido que os raios do sol mal lhe alcançavam. Ele, como todos os outros, amava, acima de tudo, ao sol, mas ele, consciente de sua pequenez, de tanto se esticar e nunca alcança-lo, desiludido, desistira, entregando-se à sua tristeza.
Sentia-se solitário toda vez que o sol surgia no horizonte e via seus companheiros voltarem seus olhos todos para o mesmo ponto enquanto ele baixava os seus, mirando suas raízes, que lhe prendiam ao chão. Como desejava libertar-se, sentir-se livre e voar como os pássaros no céu, aproximar-se do sol, toca-lo e beija-lo, tal como um beija-flor faz com suas flores.
Numa manhã, quando o sol nasceu mais cedo e incidiu seus raios diretamente sobre o girassol, que, desprevenido, recebeu a luz diretamente em seus olhos, quase ficou cego, mas isso o despertou, pois há tempos não vislumbrava o sol, e quase se esquecera de sua forma, de sua luz, do quão caloroso ele pode ser. Ao olhar diretamente para o sol, o girassol tornou a se abaixar, e, abatido como estava, começou a chorar. E suas lágrimas transformavam-se em sementes, que caíam no chão. Tomado pelo pranto, o girassol não se deu conta de que, com o nascer do sol, os pássaros acordavam, saíam de seus ninhos, batiam suas asas e cantavam. Mas um pássaro, o único que observava a reação do triste girassol todas as manhãs, diferente dos demais, que passavam o dia a contemplar o sol, aproximou-se, mal batendo as asas e, ao ver suas lágrimas secas ao chão, pousou a seus pés. O pássaro sabia o que afligia o girassol, então segurou, delicadamente, com seus diminutos pés, uma semente, abriu bem suas asas e alçou vôo.
A flor, ouvindo o bater de asas do pássaro, levantou os olhos e viu que em seus pés ele levava uma de suas sementes. Viu que o pássaro voava cada vez mais alto, passando por entre as nuvens, aproximando-se cada vez mais do sol. Ao chegar até ele, entregou a semente que trazia consigo. O sol recebeu aquele presente e seus raios foram como um sorriso para a flor, que lá onde estava, plantada no chão, os recebeu como a uma benção, e a partir daquele dia passou a acompanhá-lo todos os dias, em sua caminhada pelo céu.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Livro da Semana - Anna Karienina

Escrito entre os anos de 1873 e 1877, “Anna Kariênina”, tornou-se um dos maiores, mais importantes e mais influentes clássicos da literatura russa e mundial. As palavras possuem força, tocam, envolvem e fazem com que o leitor se identifique e se apaixone por cada personagem, por cada drama, por cada história e passagem apresentada nesta magnífica obra. História de amor, de felicidade, mas também de ciúmes e de infelicidades, “Anna Kariênina” é uma obra ímpar na história da literatura. Rompe com os ideais românticos da literatura alemã, francesa e inglesa, e cria um novo estilo, muito mais vivo, que muito mais se aproxima a realidade, as alegrias e tristezas, aos risos e as lágrimas e aos dramas de pessoas comuns, seja ele pertencente a que classe social for. Tolstoi, ao concluir tal obra, deu um novo sentido ao romantismo, introduzindo a este estilo, a esta escola literária, toques de realismo, criando assim um romantismo-realista.
A história se passa nas cidades de São Petersburgo e Moscou, principalmente, e tem como protagonista Anna Kariênina, uma linda mulher, casada com um importante e respeitado funcionário público, membro da mais alta sociedade petersburguesa. A vida de Anna é tranqüila, sem grandes turbulências, até que corre em socorro ao irmão (Oblónski) e lá, ao pôr os pés para fora do trem em que viajava, encontra Vrónski, por quem se apaixona perdidamente. Tenta, em vão, resistir a esse sentimento que a toma, que a consome, mas ele o persegue, e ela não consegue se ver livre, tanto daquilo que tanto a atormenta, quanto daquele que a tanto faz sofrer porque tanto a ama. Volta, então, às pressas para sua cidade, para junto de sua família, tentando fugir não só daquele homem que a faz ver, que a faz sentir-se de uma forma como jamais se sentira, mas, acima de tudo, de si própria, daquilo que sente dentro de si. Mas é impossível fugir de seus próprios sentimentos, fugir de si mesma, expurgar aquilo que há dentro de si e que criara raízes tão profundas em seu peito.
Anna Kariênina acaba por ceder e se entrega àquela desmedida paixão. E no auge de sua felicidade, ela se vê presa a um emaranhado de relações sociais, convenções e demonstrações de falso moralismo, e luta, de forma infrutífera, contra tudo e contra todos que se opõe a sua felicidade. Vence e perde essa batalha, pois tem que deixar para trás algo que lhe é muito precioso. Os espólios que colhe das batalhas ganham são efêmeros.
Felicidades e infelicidades, incertezas e certezas se entrecruzam e se mesclam ao longo dos capítulos, ao longo de toda a história.
Muitíssimo bem construído, este magnífico romance de Liev Tolstoi nos transporta para o mundo das elites peterburguesas e moscovitas, assim como também para os campos e propriedades rurais de seu país, com personagens vivos, que riem, que choram, que passam por crises existenciais, que amam, que odeiam, que têm fé, que têm dúvidas, que são felizes, mas que também são infelizes. Tolstoi nos apresenta, ao longo de toda a extensão desta obra, uma infinidade de personagens, tais como viveram, seja na vida real ou na sua mente, introduzindo-os em seus devidos lugares, em suas respectivas sociedades as quais pertenciam, construindo história e dramas isolados que se mantém independentes, mas que ganham um sentido mais amplo quando vistos como um todo, como componentes de uma história maior.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Livro da Semana - O Conde de Monte Cristo

Alexandre Dumas, um dos principais nomes da literatura francesa do século XIX , autor de grandes clássicos da literatura mundial, como "Os três Mosqueteiros", "O Homem da Máscara de Ferro", biografias romanceadas de "Napoleão" e da "Rainha Margot", além de "O Conde de Monte Cristo".
No entanto, é interessante o leitor saber que o escritor francês não trabalhava sozinho, mas sim com dezenas de outros escritores e pesquisadores. E somente isso pode explicar os impressionantes números, de 646 título identificados, 4.056 personagens principais, 8.872 personagens secundários e 24.339 figurantes.
Quase todos ouviram falar de seus principais livros e de outras obras de Dumas. Os personagens participam de romances envolventes saídos da pena de um otimista contumaz e bon vivant, cheio de amantes, cuja vida parodia as aventuras das obras. Ou vice-versa. O reconhecimento de Alexandre Dumas, no entanto, é atual. Na época em que viveu, o autor foi rejeitado pela academia e acusado de "fabricar romances", de ser pouco original, de usar da capacidade de seus "colaboradores" e, em determinados livros, apenas assina-los, de não tendo escrito sequer uma linha desses. O autor também escreveu inúmeras obras para teatro, e foi considerado um mestre no gênero do "romance teatral histórico".
Mas apesar de toda a rejeição por parte da crítica, Alexandre Dumas foi adorado e idolatrada pelos leitores de seus romances e de seus folhetins (os jornais disputavam capítulos destes, os quais mesclavam história e anedotas).
O autor tem em "O Conde de Monte Cristo" uma de suas obras mais significativas, tanto do ponto de vista histórico, cultural e literário. Neste livro, Dumas explorou, mais do que em nenhum outro, o psicológico de seus personagens, dotando-os de vida, vícios, nobreza e vileza.
Na obra em questão, mais do que uma vingança, o protagonista Edmond Dantès busca justiça, uma reperação pelo que lhe foi feito no passado, nem que para isso tenha que utilizar-se de meios pouco convencionais para conseguir o que deseja.
Edmond Dantès, jovem, cheio de vida, feliz, está prestes a alcançar a maior felicidade que se possa imaginar: está para casar com sua amada Mercedes. E no dia em que está para consumar sua felicidade, quando está anunciando seu noivado e está prestes a se casar, invejosos e inescrupulosos inimigos, que ele não imaginava ter, fazem chegar às mãos do substituto do procurador do rei, um homem ambicioso, uma denúncia contra o jovem, em que o acusam de bonapartista e de possuir uma carta endereçada a um grupo de seguidores do imperador, anunciando o seu retorno da Ilha de Elba.
Dantès é, então, preso injustamente e trancafiado no Castelo de If, um presídio localizado numa ilha próxima a Marselha, e lá o jovem vive os mais longos, difíceis e duros dias de sua vida. Lá vê suas esperanças escoarem por entre os dedos, suas chances de liberdade e felicidade apagarem-se, quando conhece um outro prisioneiro, o abade Faria, que reacende as suas esperanças de liberdade.
Com o coração amargurado, o injustiçado prisioneiro, ao sair da prisão e se ver de posse de um imenso tesouro, legado pelo abade, maquina seu retorno, agora sob o disfarce de "O Conde de Monte Cristo", em busca de justiça e reparação por todos os anos de penúria que teve que suportar, não só longe de sua amada, mas da vida que lhe fora roubada.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Folhas secas no outono - conto


Era uma floresta vastíssima, repleta de árvores altas e frondosas, algumas tão grandes que quase chegavam a tocar o céu, tão antigas quanto a terra nas quais suas raízes estavam fincadas, outras tão pequenas, frágeis e delicadas que um sopro de vento poderia arrancá-las do chão. E nessa enorme floresta, onde homem algum pisava, praticamente não havia animais, e dos poucos que se aventuravam a adentrá-la, só alcançavam as primeiras árvores da orla, as mais jovens, e lá viviam, com medo de serem expulsos pelas árvores mais antigas.
Dentro, no canto mais profundo da floresta, onde as árvores eram tão velhas quanto o tempo, tão fortes quanto a maré e tão altas quanto as montanhas, havia uma única e solitária árvore, que de tão velha já havia perdido praticamente todas as folhas, seu tronco já estava ressecado e sua seiva, já seca, não circulava por seus membros. Mas eis que um pássaro, um único e solitário pássaro, ao adentrar na floresta, a escolheu para fazer seu ninho. A árvore, já praticamente sem vida, renasceu em todo o seu esplendor. Sua seiva, quente, circulava por todo o seu corpo, seus galhos, antes quebradiços, agora se tornavam vigorosos e fortes, e as folhas, de um verdor impressionante, surgiram em torno de toda a planta. O pássaro percebeu a mudança que se operava na árvore, e todas as manhãs, no raiar do sol, enchia o ar com seu canto harmonioso, enquanto construía seu ninho no galho mais alto.
Na primavera, época em que as flores brotam por todos os cantos da floresta, época em que as árvores estão mais verdes, que o sol está quente, que as chuvas refrescam e revigoram as plantas, o pássaro colocou um ovo no seu ninho, e dia após dias velava por ele, protegendo-o. A árvore, por sua vez, o ocultava dos olhos hostis das demais plantas, no seu galho mais alto.
O pássaro, todas as manhãs, cantava enquanto, sentado sobre o ovo, esperava, ansioso, para ouvir a casca se quebrando, pelo nascimento do passarinho.
No auge da primavera, o que o pássaro tanto esperava, pelo que a árvore tanto ansiava, aconteceu: nasceu o passarinho. E seu canto, cheio de vida, de força, de beleza, de harmonia e de paz, chegou a todos os cantos da floresta. O sol saiu de trás das nuvens, o vento parou de soprar, os rios pararam de correr e as árvores se curvaram para melhor escutar aquele maravilhoso cântico em louvor a vida.
E o passarinho cresceu em todo o seu esplendor. Voava por todos os cantos da floresta, e quando estava cansado, voltava para sua casa, para seu ninho, onde encontrava a paz e o conforto de que necessitava.
As estações do ano se sucedem umas as outras, e no verão os dois pássaros, mamãe e filhote, saíam juntos para passearem por toda a extensão da floresta. Nessa estação, os dias são mais longos e quentes, e a árvore sentia-se solitária, contando as horas do dia, olhando o sol descer no horizonte, esperando seus pássaros voltarem, para apaziguá-la com suas vozes, para aquecê-la com seus cantos ao final de cada tarde.
Mas o destino, cruel como só ele o é, fez com que o passarinho voltasse num final de tarde sozinho. Pousou triste em seu ninho e naquela tarde não cantou, o que também não fez por vários dias. A árvore, desesperada, procurou consola-lo, mas nada que fizesse poderia abrandar a grande dor que o passarinho sentia em seu pequenino coração. Ele não cantou por dias a fio, e a árvore começou a definhar, voltou a ser aquela planta caquética que havia sido antes do pássaro construir um ninho nos seus galhos.
No auge do verão, quando o calor do sol alcançava seu pico, o passarinho finalmente saiu de seu ninho e, ao olhar pra trás, viu o deplorável estado em que a árvore se encontrava: sem vida, sem força e sem brilho. Ele abriu suas coloridas asas e voou, mas voou tão alto que por pouco não foi queimado pelo sol, e lá do alto, ele cantou, com a voz vindo do fundo de sua alma, para que o mundo todo pudesse escutar, para que a sua árvore pudesse ouvir e novamente renascer. Ao descer, ao pousar nos galhos da árvore, o passarinho percebeu que as folhas novamente ganharam vida, que a vida voltava a pulsar dentro da planta.
E todos os dias o passarinho saía, voava livre pelo céu e cantava.
Mas eis que final do verão, quando o sol já não mais aquecia, quando nuvens negras começavam a cobrir o sol, quando um vento forte e gelado começou a soprar, o pássaro viu, ao longe, voando muito alto, outros iguais a ele, que migravam em busca de um sol mais quente. Uma única e solitária lágrima brotou de seu olho e rolou pela sua face ao saber o que tinha que fazer. Olhou, então, para a árvore, e cantou em seu louvor. Era uma canção nunca antes cantada, triste, comovente, repleta da saudade que estava por vir.
E no início do outono, o passarinho abriu suas asas e voou, para longe, levando em seu peito lembranças e saudade.
As folhas da árvore desprenderam-se de seus galhos assim como as lágrimas se desprendem dos olhos, tamanha a saudade que sentia de seu passarinho. Muitos de seus galhos caíram, sua seiva como que ressecou em seu âmago, e a vida só a muito custo continuava a pulsar dentro da planta. O chão, aos pés da árvore, ficou repleto de folhas secas naquele outono. O vento frio, cortante, roubava o pouco de calor que ainda restava na planta.
O inverno chegou, e com ele as chuvas, que a tudo e a todos castigava.
Pingos d’água caíam na copa da árvore e escorriam por todo o seu corpo, como as lágrimas escorrem ao longo de uma face, e iam cair no chão. Raios caiam sobre as árvores próximas, e a árvore, sozinha, era a única não alvejada, por mais que desejasse que sua vida lhe fosse roubava, pois ela não fazia mais sentido.
Mas o inverno, assim como veio, foi embora e logo no primeiro dia da primavera, logo quando o primeiro raio de sol surgiu por entre as nuvens e incidiu diretamente sobre a árvore, quando ela sentiu novamente o calor, quando imaginou já não estar mais viva, ouviu, ao longe, o barulho de asas batendo, de pássaros voando livres pelo céu azul, retornando para suas casas.
A árvore, exultante, agarrou o último e único fio que a mantinha presa a vida, e reviveu ao reconhecer, ao longe, o cântico de seu pássaro, que voltava para seu ninho, para a sua casa.