domingo, 31 de julho de 2011

O Despertar II

Era noite. Eu sabia disso pelos pequenos pontos luminosos que via no céu pela pequena fresta daquela janela. Não sabia há quanto tempo estava ali, trancado naquele quarto, nem como viera parar ali. Minha cabeça doía e girava, meus membros estavam doloridos e sentia uma forte dor no estômago, provavelmente por conta da fome que me corroia por dentro. Não sabia há quanto tempo não comia, mas sabia que estava com muita fome.
            Tenteei ao meu redor, a procura de algo que eu não sabia bem o que era. Não havia absolutamente nada naquele recinto. Eu estava descalço e podia sentir o chão áspero e frio. Minha camisa estava rasgada em muitos lugares e úmida em muitos outros. Era uma umidade pegajosa. Levei a mão ao nariz e senti um cheiro familiar de sangue. Levei a ponta dos dedos a boca e senti o gosto de sangue. Seria meu próprio sangue? Tateei o corpo inteiro em busca de algum ferimento, mas nada encontrei.
            Sentei-me no chão passando as mãos sobre os olhos, como se com isso pudesse clarear as ideias e me lembrar do que havia me trazido àquele quarto pequeno e escuro. Tornei a me levantar e a andar de um lado para outro, como um animal enjaulado, pois era daquele jeito que me sentia. Fui até a minúscula janela, que estava firmemente fechada, mas que possuía algumas pequenas aberturas através das quais eu podia ver o céu. Olhando para o lado de fora, procurei por algo que denunciasse onde eu estava, mas a escuridão era tal que eu só conseguia distinguir algumas formas imprecisas, como as de algumas árvores. A lua, que estava encoberta, conseguiu atravessar a barreira de nuvens e derramou sua luz prateada sobre a Terra e pude ver uma sombra que estava parada bem próxima à janela, com os olhos fixos em mim. Era um olhar ameaçador, de ódio, que não consegui encará-los por muito tempo, tamanho o medo que senti. Um frio me percorreu todo o corpo, como se todo o calor e esperança me tivessem sido roubados.
            Ouvi passos do lado de fora, de uma pessoa que se aproximava. Eram passos pesados. Não tive coragem de ir até a janela, pois, de alguma forma sabia que havia alguém ali à minha espera, que estava me observando naquela escuridão.
            - Não tenha medo. Não estamos aqui para machucá-lo, mas sim para dizer quem você realmente é – disse uma vez vinda do lado de fora. E ele começou a rir.
            - Ele despertou? – ouvi uma outra voz a perguntar.
            - Não, ainda, de todo. Ele apenas acordou, voltando a estar consciente. O seu verdadeiro despertar ainda está para acontecer. Olhe para o céu. Quando as nuvens se afastarem a lua se mostrar em todo seu esplendor, cheia, ele irá despertar – respondeu a primeira voz.
            Era de mim que eles estavam falando? O que significava aquilo de despertar?
            Sentado no chão, abraçando as próprias pernas, senti-me confuso e com muito medo.
            Uma dor súbita começou a percorrer todo o meu corpo, como se algo estivesse explodindo dentro de mim. Meus olhos doíam, senti um gosto de sangue na boca, meus braços e pernas começaram a doer a ponto de eu começar a urrar de dor. Deitei-me no chão, contorcendo-me de dor. Estava com os olhos fechados, mas era como se visse tudo ao meu redor, num estado de semiconsciência, como que guiado por algum instinto.
            A janela havia sido arrancada e a luz da lua batia diretamente sobre mim. Um misto de fúria e estranha tranquilidade eu sentia.
            Uma porta foi aberta e vi uma sombra se aproximar de onde eu estava deitado. Nunca pude distinguir seu rosto nem seu corpo até que ele se aproximou da luz. Ele me deu a mão, uma mão que não era humana, e eu estendi a minha, aceitando sua ajuda para me levantar, e só então percebi que a minha mão também não era mais humana...

domingo, 24 de julho de 2011

Saudade da diversão dos anos 80 e início dos 90

Hoje eu acordei com uma vontade danada de brincar. Sei que já não sou nenhum menino, se bem que às vezes tenha vontade de voltar a ser, e que seria muito estranho um alguém de meu tamanho estar no meio de um monte de crianças, mas se a brincadeira valesse a pena, eu bem que estaria disposto a “pagar o mico”. Comecei a procurar, entre meus pertences antigos (para não falar “velharia”), algo que valesse a pena eu me sentar no chão da sala e ficar horas e horas entretido, mas não encontrei nada. Talvez minha mãe que tenha jogado fora há anos ou talvez tenha sido minha esposa, que percebendo a inutilidade daquilo, resolveu fazer a contribuição a alguma criança que não tinha com o que brincar. Se o caso tiver sido este, menos mal. Pelo menos alguma criança vai estar brincando, dando vida àquelas brinquedos.
            Mas a ideia de brincar, nem que seja por cinco minutos, sentado no chão da sala, esquecendo que o mundo está acabando ao meu redor, que o céu ameaça cair sobre minha cabeça, não me sai da cabeça. Resolvi, então, ir “à caça” e tentar comprar algo com que pudesse brincar.
            No primeiro armarinho que fui, perguntei se, por um acaso, em seu estoque antigo, de brinquedos que ninguém mais procura, ela (a dona) não teria por um acaso, sobrando, disponível para venda, algo da minha lista: jogo de damas, pega-vareta, dominó, resta-um, cara-a-cara ou de futebol de botão. A mulher olhou para mim e para a minha lista, fez uma careta e disse que ninguém mais procurava aqueles brinquedos ali. “Talvez seja melhor você procurar num antiquário, numa loja de antiguidades ou coisa do tipo”, ela falou. “E biloca, você tem?”, perguntei. Ela olhou para mim, avaliando com que tipo de louco-varrido estava lidando, e com piedade, segurou minha mão e disse para voltar para casa, para ir trabalhar, que era o melhor que eu podia fazer. Decepcionado, fui de estabelecimento em estabelecimento, mas a busca foi em vão. Resolvi então tentar outra coisa, e fui às mercearias do bairro e até as bancas de revista, a procura daqueles álbuns de figurinha, em que as figuras são bem mal-feitas, mas que distribuem milhares de prêmios se encontrarmos as figurinhas premiadas, os cromos prateados ou se completarmos alguma das figuras. Mais uma vez, fui encarado como louco e quase escorraçado. Só tinham para vender álbuns e figurinhas do Campeonato Brasileiro e de alguns super-herois e dos personagens de desenhos animados que essa juventude cultua. Fiquei me perguntando que graça tinha aqueles personagens e heróis se comparados aos de minha época, de minha infância. Vai entender!
            Tentei, em minha peregrinação, comprar de tudo, desde aqueles carrinhos feitos de metal, que a gente colecionava, até blocos de montar (vulgos Legos), bonecos dos comandos em ação e até playmobil. Procurei por aqueles brinquedos, os “aquaplays”, com que eu passava horas entretido, tentando colocar todas aquelas mini-argolas no lugar, mas nem esses eu achei. Soldadinhos de plástico, aqueles que usávamos para montar os gigantes exércitos, que colocávamos para lutar com aqueles exércitos de índios, nem em sonho em tornaria a encontrar nem que fosse um mero soldado!
            Cansado de nada encontrar do que procurava, resolvi partir para brinquedos mais avançados em termo de tecnologia: fui em busca de videogames, imaginando que seria mais fácil. Cheguei a uma loja e perguntei se eles tinham para vender um Atari e cartuchos de jogos como Pacman, Enduro, River Rider ou “Pega ladrão”. O vendedor olhou para mim como se estivesse olhando para um alguém de outro planeta. Pensei melhor e vi que Atari era um videogame muito antigo, e perguntei se ele tinha pelo menos um Master System 3, que pelo menos já vinha com Alex Kid na memória. Não tinha. “E um Mega Drive, você tem? Se possível, que tenha pelo menos um cartucho de Sonic”. Também não tinha. “’’tá bom, ‘tá bom... mas um super-nintendo você tem? E quero com os jogos clássicos, como Top Gear, Super Mário e Super Star Soccer”. Eu era o caso perdido, por certo, pois o vendedor me deixou falando sozinho. Por certo ele só tinha para vender os Playstation 3, X-Box 360 ou Nintendo Wii. Coitadas das crianças e dos marmanjos que só prestam atenção em gráficos e não sabem o que é apreciar um bom videogame e seus jogos clássicos.
            Voltando para casa, decidido a não perder o meu final de semana com coisas inúteis como trabalho e computador, pensei em fazer o meu jogo de futebol de caixinha de fósforo. Tudo bem que não tinha as figurinhas dos jogadores, para colar na frente, mas isso era o de menos. Eu poderia, pelo menos, desenhar os escudos dos times na frente e pintar os números. O problema surgiu quando lembrei que ninguém mais usa caixa de fósforo. Ou os fogões são automáticos ou as pessoas compram aqueles acendedores elétricos ou que usam pilhas. Até com o futebol de caixa de fósforo a tecnologia deu um jeito de acabar.
            Liguei a televisão, mas o que vi foi muito pior do que imaginava. Onde estavam Patolino, Pernalonga, as Tartarugas Ninja, He-Man, Thundercats, Cavaleiros do Zodíaco, Chaves e aqueles invencíveis super-herois, como Jaspion, Jiraya, Jiban, Lionman, Changeman, Black Kamen Rider, Cibercops? O que era aquilo que eu via na televisão? Definitivamente, assistir televisão hoje em dia é como ter um pesadelo estando-se acordado.
            Sem brinquedos e sem televisão, o que eu poderia fazer? Resolvi, então, apelar, e fui em busca de minhas antigas fitas VHS, mas, para minha decepção, todas estavam mofadas e, além do mais, eu não tinha onde assisti-las, já que meu aparelho Sharp de Quatro Cabeças já tinha sido aposentado há anos...
            Completamente derrotado, fiquei me perguntando o que as pessoas, hoje em dia, fazem para se divertir, com o que brincam, o que assistem, e que graça conseguem ver nesses brinquedos, seriados e desenhos. Talvez encontrem uma graça nisso tudo que eu não consigo enxergar, ou talvez não saibam o que é diversão de verdade.
            Meus planos de diversão para o final de semana foram “por água abaixo”, como se dizia em meu tempo, mas pelo menos fiquei com o gosto bom das lembranças de diversão de meu tempo deixaram marcadas para sempre em minha memória. Pelo menos isso ninguém nunca vai tirar e tecnologia, por mais avançada que seja, jamais vai substituir: o sabor, as lembranças de uma infância bem vivida.

domingo, 17 de julho de 2011

O Fim do Mundo

- Calma, meu filho. Só por que você ouviu alguém dizendo que o mundo está se acabando, não significa dizer que ele vai se acabar já.
            - Está acabando sim, mãe. O mundo está acabando!
            - Onde você que você ouviu essa asneira, meu filho?
            - Em todo canto a gente vê, a gente ouve, a gente lê, mãe!
            “Isso deveria ser considerado terrorismo, guerra psicológica ou seja lá como os especialistas em guerra chamam esse negócio de plantar falsas ideias para vencer uma batalha”, pensou a mulher, sem saber mais como consolar o filho e fazê-lo ver que a situação não era tão grave assim.
            Quando o jovem, adolescente, se acalmou um pouco, sua mãe o abraçou e pensou numa forma de puxar um outro assunto, para fazê-lo esquecer, nem que seja momentaneamente, essa história de “fim do mundo”. Mas ele não esquecia fácil das coisas, e logo voltou a se lamuriar, sentindo-se impotente, sem poder fazer nada contra aquela “onda do fim do mundo”.
            - Mas, meu filho, ainda tem gente boa no mundo, lutando por um mundo melhor, lutando contra esse fim do mundo.
            - Não, mãe. Ninguém faz nada, ninguém pode fazer nada. Está tudo perdido, mãe. Está tudo contaminado.
            - Mas, meu filho, veja que as pessoas estão mudando, estão começando a despertar, a ter uma consciência de que, se não mudarem, o mundo só tende a piorar para todos...
            - As pessoas estão mudando, mãe, e é essa mudança que está acabando com tudo que há de bom nesse mundo.
            - Não, meu filho. Não sei bem sob que prisma você está vendo as coisas, mas as pessoas estão mudando e por mais negro que possa parecer o futuro, ainda vejo uma luz no fim do túnel.
            - Que futuro, mãe? Que futuro? Tudo está acontecendo agora, no presente. Eu não quero pensar no que pode acontecer no futuro...
            A mãe se sentia perdida ante aquela situação. Não sabia o que fazer para consolar o filho. Se ao menos seu marido estivesse ali, saberia entender melhor o rapaz. Afinal de contas, homens sempre acabam se entendendo.
            Resolveu, entrar, ser objetiva e direta como os homens o sol. Deixou o filho na sala, onde estava sentado no sofá, e correu para pegar umas revistas e o controle da televisão.
            - Olhe, meu filho, estão aqui exemplos de que as pessoas estão mudando, tentando salvar o mundo, tentando fazer do mundo um lugar melhor.
            O rapaz segurou todas aquelas revistas sem entender. Era como se ele estivesse falando sobre um assunto e sua mãe outro, como se ele falasse de um fim do mundo e ela sobre um outro mundo, que também estava se acabando.
            - Olhe, meu filho. Leia essa reportagem aqui, dessa revista, que traz dados concretos de que as pessoas estão pensando mais num mundo sustentável. A emissão dos gases poluentes, apesar de ainda a níveis elevados, está diminuindo; o buraco da camada de ozônio está estável; o desflorestamento está sendo fortemente combatido; tem se produzido e consumido mais produtos orgânicos; as pessoas estão pensando mais em reciclagem, inclusive aqui mesmo, na rua, tem uma lixeira dessas lindas que a prefeitura colocou, para separarmos os resíduos de plástico, de metal, de vidro, ...
            O rapaz continuava olhando para ela, sem entender nada.
            - O Greenpeace está mais atuante do que nunca; estão procurando, cada vez mais, utilizar energias renováveis; as leis para quem desmata ilegalmente estão mais rígidas. Como vê, meu filho, apesar de tudo parecer perdido, ainda resta uma luz, um pouco de esperança.
            O jovem continuava sem entender que língua era aquela que a mãe falava e de que mundo ela estava falando.
            Ela ligou a televisão com o controle remoto e colocou num canal de notícias.
            - Veja essa reportagem, filho. Estão falando de sustentabilidade. Você já reparou que cada vez mais as pessoas estão falando em sustentabilidade?
            - De que fim do mundo a senhora está falando, mãe?
            - Do fim do mundo, filho. O mundo é um só.
            - Não, mãe. Eu não é desse fim do mundo que estou falando. Olhe – disse, e tomou o controle remoto da mão dela.
            Ele foi passando os canais e parava de um em um, e falava para a mãe.
            - Olhe.
            A mãe, horrorizada, não conseguia acreditar no que seus olhos viam. Com os olhos esbugalhados, era como se só agora ela se desse conta da gravidade da situação. Colocou a mão sobre os olhos, mas o que escutava ainda era um duro choque da realidade. Colocou a mão nos ouvidos e fechou com força os olhos, para não ouvir e ver nada. Pediu que o filho parasse, pois aquilo a torturava.
            - E isso não é tudo, mãe – disse ele, e se levantou. Foi ao quarto da irmã, de onde voltou trazendo uma grande quantidade de revistas (dez vezes ou vinte vezes mais revistas do que a mão havia trazido para ele ver).
            A mãe não precisou sequer abrir as revistas para compreender a seriedade de tudo aquilo, de que o fim do mundo não só estava próximo, mas que tinha começado.
            - Espere, que ainda tem mais – o jovem foi pegar uma enorme pilha de livros. A mãe, ao ver aqueles livros, cobriu os olhos. – Veja, mãe. Leia as sinopses e saiba do que estou falando.
            A mãe obedeceu. Pegava o livro na mão, olhava-os de um lado e de outro, horrorizada, com cara de nojo, e muito a contragosto lia as sinopses e comentários na contracapa e na “orelha do livro”.
            - E ainda tem mais – ele entregou a ela vários CDs e ligou o rádio – Ouça isso.
            - Não, não e não, filho. Desligue isso. Tire tudo isso de minha frente. Isso é demais para mim – pediu ela, e começou a chorar.
            - Mãe, o mundo está acabando, e isso tudo é só o começo.
            - Agora eu vejo, filho, que você tem razão – ela mal conseguia articular as palavras.
            O jovem ficou de pé, esperando a mãe se acalmar, para voltar a falar. Quando, enfim, ela se recompôs, ele abriu a boca, e o que disse foi como punhaladas no peito e no estômago dela.
            - Mãe, tudo que a gente conhece, tudo que havia de bom no mundo, acabou. A música, a verdadeira música, não existe mais. Ligo o rádio e sintonize numa rádio qualquer, e tudo que você vai ouvir é Restart, Justin Bieber, Luan Santana, Fresno e um infindável número de grupinhos e astros EMOS-aboiolados... Abra uma revista qualquer e veja os ídolos dessa geração, olhe esses mesmos astros instantâneos, olhe as poses deles, as roupas que usam, a maquiagem que usam, mãe! Ligue uma televisão e veja os programas, ouça as notícias desse mundinho colorido. Ligue a televisão de manhã mesmo e veja os desenhos animados que passam para as crianças. Os livros... Veja os livros, mãe! O que havia de bom na literatura foi destruído e todo mundo, hoje, só lê essas coisas: Crepúsculo ou uma outra aventura e romance qualquer de vampiros-EMOS que não mordem ninguém, que andam de manhã, que brilham; veja os livros de romance meloso que todo mundo está lendo, de romances e histórias impossíveis, de Nicholas Sparcks, Nora Roberts ou um outro Best-Seller qualquer. De tanto lerem esses livros, as pessoas, mulheres em sua maioria, acreditam nessas fantasias e, depois, quando percebem que aquilo não é real, acabam tendo que se refugiar, procurando os livros de auto-ajuda...
            - Meu filho, pare, por favor.
            - Isso não é tudo, mãe. Ainda tem muito mais...
            - Pare, meu filho, por favor. Não me torture mais – falou ela, e tapou os ouvidos com as mãos, para não mais ouvir o que o filho tinha a dizer.
            - Tudo, mãe, em tudo o mundo está se acabando. Em 2009 o Flamengo foi campeão brasileiro e no ano passado foi o Fluminense. Esse ano, o Vasco sagrou-se campeão da Copa do Brasil. E próximo ano, o que vai acontecer? O Botafogo vai ganhar a Libertadores?
            - Por favor, meu filho...
            - A sociedade está se acabando, mãe. Sobre a política não é nem preciso falar, não é? Corrupção, desmandos, CPIs que não servem pra nada, salários astronômicos para uns, enquanto se negam a aumentar decentemente o salário mínimo. Educação que não funciona, segurança na qual não confiamos, saúde que não temos.
            - Oh, meu filho...
            - E ainda vão fazer uma Copa do Mundo de Futebol aqui, e está bem pertinho, em 2014, e depois as Olimpíadas em 2016!
            - Não, meu filho! Já chega, já chega... Vamos falar de outra coisa, por favor. Vamos falar do fim do outro mundo.
            O filho, vendo o estado abalado da mãe, resolveu não torturá-la mais, aquelas revelações já tinham sido demais para ela.
            - É, mãe. Vamos falar do outro fim do mundo, que, apesar dos pesares, ainda tem a remota possibilidade de salvação.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Quarto

Sabe aquele livro que você o escolhe para ler sem um motivo realmente forte e, quando inicia a leitura, tem a impressão (somente nas primeiras páginas) de que o livro "não vai"? Pois bem, foi isso que aconteceu comigo, quando peguei "Quarto".
"Quarto" era um livro que estava despertando o interesse e arrancando muitos elogios de vários leitores, mas eu não dei grande atenção no início. Para mim, os elogios soavam apenas como "mais elogios dos leitores a apenas mais um best-seller". Quando o furor pelo livro diminuiu, eu o peguei para dar uma olhada, mais com uma certa curiosidade, para saber do que se tratava a história, do que para qualquer outra coisa. Lendo a sinopse, achei interessante, e o coloquei na "lista de futuras leituras" (ou seja, não era prioridade e talvez eu só o lesse depois de muito tempo, quando não tivesse nada "de importante" para ler). li um livro, depois li outro, de vários gêneros, autores, estilos, de uns, eu gostei, de outros, nem tanto, e sempre o "Quarto" ficando pra trás na lista. Mas eis que um dia, eu de certa forma cansado do que vinha, resolvi dar uma oportunidade aquele livro tão comentado.
O início da leitura, confesso, não me causou boa impressão, e cheguei a pensar uma ou duas vezes em abandonar o livro para talvez nunca mais o pegar. Eu estava propenso, óbvio, a fazer as correções à medida que ia lendo, pois não entendia, digamos assim, aquela tão peculiar narrativa, em que um menino de 5 anos conta a história. Via as inversões que ele fazia, a junção das palavras, os erros (característicos de sua idade) que cometia, o que, em minha ignorância, eu não estava compreendendo. Mas fui me deixando levar pela história e fui, pouco a pouco (ou, melhor dizendo, de um supetão só) sendo tragado por aquela história, fui vivendo, junto com Jack e sua mãe, aquele drama, fui me sentindo preso naquele gigantesco e tão pequeno mundo restrito a um quarto com a porta fechada, tão longe do vasto mundo.
"Quarto" dá uma impressão errada ao leitor, que é levado a crer que, pela narrativa tão despretensiosa, pela linguagem tão "limitada", se trata de mais uma história leve e simples, mas, amigo leitor, não se engane. Trata-se de um forte drama, de um livro carregado de uma forte carga emocional e de uma atmosfera densa.
À medida que fui lendo, fui me sentindo preso naquele quarto, me escondendo dentro de um guarda-roupa escuro, a ponto de, em meu desespero, desejar me libertar e descobrir o mundo que havia além daquelas quatro paredes, e quando surge a oportunidade de fuga em que o pequeno e inocente Jack tem que tomar coragem, mesmo estando tão assustado, me vejo devorando as páginas, torcendo pelo inocente menino nos seus primeiros passos no mundo do Lá Fora.
Mas a fuga, o primeiro passo, foi, talvez, o mais fácil, pois o mundo Lá Fora, para Jack, era muito diferente de qualquer coisa que ele pudesse imaginar, a ponto dele sentir certa saudade de seu pequeno quarto, que era seu vasto mundo. a adaptação não foi fácil. Tudo era novo, tudo era diferente e tudo era tão grande, com tantas pessoas, tantas luzes, tantos barulhos.
"Quarto" é um livro que nos faz, por vezes, rir com a inocência e ingenuidade do menino de cinco anos, e também sentirmos raiva do temperamento explosivo e "pouco compreensivo", "excessivamente superprotetor" da mãe de Jack. Mas rir da ingenuidade de um menino que acaba de conhecer o mundo e do temperamento de uma mulher que ficou encarcerada por tanto tempo é cruel e desumano, e por isso tão humano de nossa parte, leitores e tão humanos.
Uma obra marcante, que faz jus a todos os elogios recebidos, e ouso dizer que "Quarto" se tornará, em breve, uma das maiores referência literárias do gênero. Um best-seller de grande valor literário, com uma mescla de profunda sensibilidade e inocência, com um forte drama e uma atmosfera densa e pesada, num ambiente tão vasto quanto e amplo quanto um quarto e tão pequeno e limitado quanto o mundo.

domingo, 10 de julho de 2011

Tempo

O Tempo passa, correndo feito um louco, se arrastando, demorando toda uma eternidade para passar, para ir embora, para mudar, mas nunca para voltar. Tempo não volta, por mais que assim o desejemos, o Tempo só passa, caminhando sempre em frente. O Tempo cura tudo quando passa, mas não apaga as cicatrizes, muito pelo contrário, Ele as deixa mais vívidas, aparentes, por mais que estejam escondidas dentro de nosso peito. O Tempo também não cura saudade e não a afasta, ele a trás.
            Nós brigamos com o Tempo, queremos impedi-Lo, tentando fazê-Lo durar eternamente, mas o Tempo é eterno, só nós é que não o somos. O Tempo é implacável, e não se deixa ser seguro. Não podemos segura-Lo em nossas próprias mãos, mas podemos senti-Lo deixando suas marcas, sempre devagar, sempre pacientemente, em todo o nosso corpo, na nossa alma.
            Nós não temos tempo a perder, mas o Tempo tem todo o tempo do mundo, e por isso Ele é tão paciente, perseverante. Nós não conseguimos fugir Dele, pois Seus olhos vigilantes estão em todo lugar, sempre. Às vezes até nos enganamos pensando que conseguimos enganá-Lo, mas o Tempo tem dessas coisas, e deixa nos iludirmos por um curto espaço de tempo, e nos deixa correr à Sua frente ou nos esconder à Suas costas, às vezes, para nos alcançar na próxima esquina.
            O Tempo não brinca, o Tempo é sempre sério, mas Ele costuma sorrir, mas nós, ora em nossa pressa, ora em nossa vagarosidade, nem percebemos o Seu sorriso.
            Nós costumamos dizer que o Tempo é louco e O injuriamos injustamente, pois loucos somos nós, que, em nossa cegueira, na louca rotina do dia-a-dia, não sabemos aproveitar o tempo que temos, não sabemos apreciá-Lo e vivê-Lo.