domingo, 24 de fevereiro de 2013

A luta que não valia a pena ser lutada



Difícil não foi sobreviver a todas aquelas guerras nem atravessar a todos aqueles mares, difícil, para ele, fora o retorno.
Saíra de casa há tantos anos guardando uma imagem de um lugar que imaginara se manter imutável por toda a eternidade, e agora, ao retornar, tinha diante de si um cenário desolado que não parecia, que não era nada daquele lugar que via em seus pensamentos e que tinha agora diante de seus olhos.
Respirou fundo duas ou três vezes, fechando com força os olhos, com a vã esperança de que, ao reabri-los, todo aquele caos que tinha diante de si iria se desmaterializar e, em seu lugar, o lugar que guardara intocado no pensamento iria surgir diante de seus olhos. Ficou no mais completo silêncio por uma longa fração de segundos até que um som lhe roubou a paz. Era um som forte, intenso, que retumbou por todo o seu corpo, que ele não conseguiu descobrir de onde vinha. Olhou, assustado, ao seu redor, mas nada encontrou, e só se deu conta de que o barulho vinha dentro dele mesmo, de que era o seu coração batendo acelerado e com força, quando o sentiu explodir em seu peito.
Sentiu-se sem forças sequer para respirar. Ajoelhou-se no chão convulsionado por soluços. Tantas lutas, tantas batalhas vencidas e perdidas, tantos sacrifícios, tantas noites em claro, para, ao voltar para o único lugar do mundo que chamava de casa, ver tudo daquele jeito, abandonado, completamente em ruínas.
Aquilo por que lutara não mais existia, e ele sentia que todas as lutas tinham sido em vão. Entrara numa guerra que não era sua, fora ferido inúmeras vezes e seu corpo estava completamente tatuado por inúmeras cicatrizes e agora que voltava, não havia mais lugar algum no mundo em que pudesse se sentir em casa, em paz. Mas não havia mais casa nenhuma – tinha diante de si o desconhecido, um lugar sem raiz, inteiramente desprovido de vida.
Passou um longo tempo ajoelhado, chorando, e as pessoas que passavam por ele viravam o rosto, olhando-o como que ali houvesse só mais um louco, ou simplesmente fingindo que ele sequer existia, não se dando conta de que ali havia um homem, ou o que restava de um, desolado, na mais completa ruína.
A casa em ruínas como que o chamou, ele ouviu tal chamado, e mesmo sem forças, conseguiu se levantar e tropeçando nas próprias pernas, entrou no que havia sido sua casa e lá dentro o que viu não era em nada comparado ao que tinha avistado do lado de fora. Dentro da casa havia um espesso tapete de poeira e cortinas tecidas ao longo dos anos por inúmeras aranhas. O ar ali dentro era denso e podia, inclusive, ser tocado.
O homem, cada vez mais sem forças, se deixou cair e ficou estendido no chão por um longo tempo, completamente imóvel. Seu coração batia de forma tão fraca que ele sequer o sentia vivo em seu peito. Sua respiração estava pesada e a cada vez que inspirava, sentia uma dor profunda se espalhando por todo o seu corpo.
Arrastou-se até o cômodo que um dia fora seu quarto, onde um dia dormira e ao ver suas paredes desgastadas e abandonadas pelo tempo, ao ver os móveis revirados, ao invés de reavivar sua memória com as boas lembranças de outrora, o que tinha diante de si fez com que tudo que havia guardado começasse a se apagar lentamente, sem que ele nada pudesse fazer para impedir.
Havia lutado tão bravamente na guerra só para conseguir a paz e desfruta-la em toda a sua intensidade em sua casa, e, ao retornar, ver que não havia mais casa, que não haveria nunca paz alguma para desfrutar.
Deixou que seus braços pendessem ao longo do corpo e se entregou àquilo que o tomava de assalto sem ao menos oferecer resistência, sem ao menos lutar uma luta por sobrevivência. Fechou os olhos e esperou que seu fraco coração parasse de bater em seu peito.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Dor e prazer ao escrever cartas



Escrever cartas é doloroso. Dói tatuar cada pedaço de nossa alma via palavras numa folha de uma insensível folha de papel em branco, que de tão insensível, dura e branca, vai se enchendo de ternura, sensibilidade e cores na medida em que a vamos cobrindo-a por inteiro, na frente e no verso, com nossas palavras.
Dói, sim, porque não é fácil para nós aguentar ser torturado e brigar com as palavras, em busca da perfeita, daquela que possa expressar aquilo que sentimos quando estamos empunhados de uma caneta a desenhar letras muitas vezes imprecisas, que formam palavras, que depois, aos poucos, frases que nem sempre condizem e são capazes de falar tanto quanto o nosso coração.
Dói a angústia de não saber exatamente quando a pessoa irá receber a carta, e dói mais ainda não saber como ela irá receber todas aquelas palavras. Dói não saber se ela vai sorrir, se vai chorar, e dói muito mais não estarmos perto, para ao invés de falar através de palavras escritas, falar ao pé do ouvido, sussurrando tudo aquilo que se quer dizer, que nem sempre as palavras são capazes de falar.
Dói, é bem verdade, escrever cartas, mas não é uma dor dolorosa, que nos fere a alma, mas sim uma dor prazerosa. É uma dor de prazer, ou um prazer doloroso que sentimos ao mandar palavras, fragmentos de nossa alma, numa folha de papel dotado, agora que o tatuamos, de tantos sentimentos, para uma pessoa que está muitas vezes tão longe que mesmo com toda a força de nossa voz não se pode alcançar.
Escrever cartas significa que a pessoa está longe, e essa noção de distância, essa dor de saudade, é que dói lá no fundo do peito, mas que justamente por isso, por estar tão longe, está tão perto, se faz tão presente, por isso queremos tanto sua presença.
Dói, mas é prazeroso ter a noção de que os dias sucederam uns aos outros e que a carta já chegou ao destino, de que a pessoa, ao lê-la, sorriu e sentiu tudo aquilo que as palavras, mesmo imprecisas, expressaram.
Mas a dor mais prazerosa, o prazer mais doloroso, é o da angústia, o da espera pela resposta. Passamos dias a fio sem dormir, ansiosos para ter em nossas mãos a folha de papel tatuada com a alma da pessoa. Ficamos expectantes quando vemos o carteiro dobrar a esquina e vir em direção a nossa casa e depositar, na caixa de correio, as correspondências, e ficamos tristes quando, dia após dias, ele não nos traz aquele tesouro pelo qual tanto ansiamos. Imaginamos mil e uma coisas, que vão desde o extravio da preciosa carta até a possibilidade dela ter sido entregue e lida por um outro alguém, que não entende o sentido verdadeiro daquelas palavras ali ditas, dos fatos ali relatados.
Eis que um dia, quando menos esperamos, a carta-resposta chega. Ela pesa em nossas mãos, ela faz o nosso espírito ficar tão leve, e em nossa euforia, ao rasgar o envelope, quando maculamos a preciosa folha de papel que ele guarda. Devoramos (não lemos!) um sem-número de vezes aquelas palavras, e só quando o nosso coração volta a bater normalmente em nosso peito, conseguimos entender cada um daqueles fragmentos de alma ao lê-los.
            Depois de sentir vezes sem conta o murmúrio daquelas palavras, dobramos cuidadosamente a folha, respiramos fundo duas ou três vezes e reiniciamos a nossa dor, escrevendo uma nova carta, uma resposta, tatuando fragmentos de nossa alma em uma folha de papel em branco, que a princípio é insensível, mas que aos poucos vai se enchendo de sentimentos inúmeros, e assim segue, em círculo vicioso, as dores e os prazeres a que só uma carta escrita e lida podem proporcionar.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

A mulher que andava nas nuvens



Ela andava distraída nos últimos dias, alheia a tudo que acontecia ao seu redor. As pessoas próximas começaram a se preocupar e vez por outra uma tentava lhe indagar a respeito dos motivos daquela súbita mudança. Ela, no entanto, não via motivos de por que tanto alarde. Sentia-se simplesmente bem, e se andava distraída era por que algo de mais importante exigia a sua atenção mais do que a rotina do seu dia-a-dia. Ela, que sempre acordara tão tarde, andava sempre às pressas, muitas vezes atrasada entre um compromisso e outro, passou a acordar cedo, todos os dias, só para ser a primeira a ver o primeiro raio de sol a surgir no horizonte, só para ser a primeira a ouvir o saldar dos pássaros para um novo dia que estava nascendo. Passou a andar sem a menor pressa, e agindo assim passou a chegar pontualmente a todos os seus compromissos.
            As pessoas não notavam as mudanças positivas ocorridas nela. Se por acaso a viam sorrir, diziam que ela ria para o nada, como uma louca, mas se esqueciam de ver que ela sorria de volta para uma criança, para uma flor ou simplesmente por que estava feliz ou por que se sentia viva. As pessoas não viam, não compreendiam os seus motivos, e atribuíam a sua nova forma de ver e sentir a vida a um mal-estar súbito, a uma loucura que a tinha invadido e tomado de supetão. Ela, alheia a tudo que lhe falavam pelas costas, sequer escutava as palavras de censura que lhe eram jogadas. Preferia dar a devida atenção, escutar o que realmente tinha importância: o canto dos pássaros, o barulho do vento e até o da chuva que caía ao fim da tarde.
            Ela, só por andar despreocupada com os assuntos tão banais, que não mereciam grandes preocupações, fora tachada de louca; por não se preocupar e se prender a uma rotina, de desleixada; por prestar atenção às coisas simples da vida, de “aérea”. Chamaram um médico, que a examinou minunciosamente e, ao término, uma constatação: havia poesia em excesso em sua vida. Parecia, segundo as palavras do médico, que a poesia da vida tinha lhe atacado e era a causa de sua estranheza. As pessoas começaram, então, uma busca desesperada por uma cura, por algo que a trouxesse de volta à vida normal.
Submeteram-na a um rígido tratamento de controle de sua sanidade. Trancaram-na em um escritório e lhe deram pilhas e mais pilhas de documentos para analisar, mandaram que preparasse milhares de relatórios e participasse de inúmeras reuniões. Ela aceitava tudo aquilo passivamente, sem reclamar. E, ao sair do trabalho, à noite, completamente esgotada física e mentalmente, sentia-se triste, por não ver mais o sol no céu, mas percebeu que havia algo se não tão grandioso, igualmente belo: a lua e as estrelas. Passou, então, a, sempre que saía do trabalho, por mais cansada que estivesse, olhar para o céu e vê-lo salpicado de estrelas e a contemplar a esplendorosa lua, que brilhava majestosa, solta no firmamento.
As pessoas, vendo que não havia cura para aquela poesia pela vida por que ela fora tomada, passaram a vê-la como “uma pessoa sem cura”. Deixaram, então, que vivesse a sua vida como bem entendesse. No entanto, antes de tomarem tal decisão, ainda a rotularam de “a mulher que andava nas nuvens”, só por que ela tinha por hábito olhar para o céu, pelo menos uma vez por dia respirar fundo duas ou três vezes, e deixar que aquela paz, que aquela paz da vida lhe absorvesse por inteiro.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Impossível...



Há semanas ele não saia de dentro daquele laboratório. As pessoas estavam preocupadas, já imaginando que algo pudesse ter acontecido. Lembravam-se das palavras dele, de sua empolgação quando dizia estar disposto a mergulhar em sua pesquisa mais audaciosa, capaz de entender o maior de todos os dilemas, de algo que, se ele conseguisse encontrar a resposta, iria mudar, para sempre, a vida de todas as pessoas do mundo, iria mudar os rumos de toda a humanidade. Quando as pessoas lhe perguntavam o que seria aquilo tão importante, ele se calava, deixando no ar um clima de mistério e suspense. Aquela foi sua última aparição, aquelas foram suas últimas palavras no mundo dos vivos antes de se trancar no laboratório levando consigo uma infinidade de livros, que iam desde tratados de filosofia e física quântica à obra completa de Augusto Cury e Bárbara e Allan Pease (!). Vizinhos viam as luzes do laboratório acesas vinte e quatro horas por dia e vez por outras amigos e familiares, que esperavam impacientes do lado de fora ouviam algum riso, exclamação e até choro, mas fora isso, não se tinha qualquer indício de que ele continuava vivo.
            Passados dois meses, veio um primeiro contato dele com o mundo exterior. Passou, por baixo da porta, um bilhete em que pedia livros, livros e mais livros, pois precisava deles para concluir sua deveras importante pesquisa. Ao bilhete vinha anexada uma extensa lista com nome de livros e autores de diversas áreas: literatura, psicologia, arte, ciências exatas e biológicas, medicina e mais uma quantidade enorme e diversificada de títulos de autoajuda. As pessoas, ao verem o bilhete e a lista, alguns correram para as bibliotecas a fim de encontrarem os livros requisitados, enquanto outros foram a uma livraria de shopping para comprar os best-sellers de autoajuda e psicologia. Deixaram caixas e caixas de livros em frente a porta do laboratório, além de algumas sacolas da livraria, mas ele não apareceu para pegá-las. Passaram-se semanas sem que nada acontecesse, com os livros intocados, em suas caixas e sacolas. E quando todos imaginavam que ele tinha se esquecido, eis que se abre a porta, mas o suficiente apenas para que por ela passasse uma mão que não parecia humana, agarrando as caixas (e sacolas) e puxando-as para dentro do laboratório.
            Começaram, então, a esquecer dele e passou-se até a circular rumores e lendas de um cientista maluco que se trancou no laboratório e nunca mais foi visto entre os vivos. E quando perguntavam de que se tratava essa pesquisa, ninguém sabia responder ao certo, o que aumentou ainda mais a lenda-urbana-científica.
            Foi numa noite de tempestade em que raios cortavam o céu que se ouviu o barulho de uma risada sombria e histérica vinda do laboratório. Era um riso convulsivo e macabro, que assustava e divertia a todos o ouviram. Muitos correram para ver do que se tratava e se depararam com a porta ainda trancada. Bateram, bateram e bateram, mas não se ouviu qualquer resposta. Alguns começaram a tentar arromba-la com chutes, mas todas as tentativas foram em vão. Desesperadas, as pessoas começaram a chamar o nome do que se trancara ali há tempos esquecidos, mas o único som que vinha de dentro era o da sua risada, que, cansada, começava a se extinguir pouco a pouco.
            Quando conseguiram, enfim, arrombar a porta do laboratório, encontraram um cenário de caos total, com livros e mais livros espalhados pelo chão, alguns rasgados, outros riscados, outros com as páginas soltas, esvoaçando ao vento. Viram, também, instrumentos de laboratório quebrados, vidros espalhados e substâncias químicas espalhadas em todo o chão. E num canto, caído, o cientista já sem vida. Havia morrido, sim, e deixado um legado, pensaram alguns, e deixara a vida feliz, pois em sua face estava estampado um sorriso.
            Assim que levaram o corpo, começaram a tentar descobrir os frutos daquela longa, exaustiva e difícil pesquisa que lhe consumira a vida. Encontraram inúmeras anotações com cálculos, citações de livros, páginas inteiras de livros rasgadas que comprovavam as suas teorias. Mas por mais que procurassem, não conseguiam entender exatamente do que se tratava a pesquisa e quais seus resultados e respostas. Já cansados, prestes a desistir, ouviram a voz de um alguém que tinha encontrado algo que parecia muito importante, o ponto de partida, os primeiros questionamentos daquela pesquisa / projeto-suicida.
            - Olhem só esse caderno. Foi o primeiro que ele escreveu, onde estão as primeiras perguntas que tanto o inquietavam.
            - Vamos! Abra-o logo e leia o que tem escrito.
            Na primeira página estava escrito, em letras garrafais, “O que se passa na cabeça das mulheres”. Todos os presentes se entreolharam, com a respiração presa. Virou a página e leu os primeiros questionamentos:
            - Por que riem quando estão tristes? Por que choram quando estão alegres? Por que são tão difíceis? Por que nunca conseguem ser claras quanto ao que pensam e sentem? Por que não conseguem ser diretas e objetivas? Por que são tão complicadas? – leu em voz baixa, quase sussurrando, aquele que tinha descoberto o caderno, pois naquelas páginas, escritas com letra tão imprecisa, estavam as respostas capazes de mudar a forma como entendemos o mundo (e as mulheres), algo capaz de mudar, para sempre, a humanidade.
            Ele virava as páginas num frenesi desenfreado, mas nelas só se lia uma série de informações desencontradas, frases desconexas e cálculos infundados. Vez por outra se lia algo que conseguiam entender, como um diário, em que o cientista anotou os avanços e retrocessos de sua pesquisa. Nas palavras escritas notava-se a empolgação, quando dizia estar chegando muito perto, ou a frustração, quando escrevia que tinha se enganado, e que teria que recomeçar tudo do zero.
            Encontraram uma série de cadernos idênticos, com anotações dos andamentos da pesquisa, mas todos igualmente complexos e indecifráveis (como a mente das mulheres!).
            Um alguém encontrou o caderno em que estava escrito, na capa, a palavra “todas as respostas”. Nele a letra do cientista estava ainda mais indecifrável, demonstrando toda a sua pressa e empolgação para apresentar ao mundo os resultados da pesquisa que iria mudar toda a humanidade.
            Leram, letra por letra, palavra por palavra, frase por frase, com a respiração presa, tudo que estava escrito, até que chegaram a última frase.
            - O que torna as mulheres tão complicadas e complexas é...
            - É o que? Fala logo! Leia o que está escrito aí – pediu, implorou um impaciente.
            O que tinha o caderno em mãos olhou para todos que estavam ao seu redor e mostrou a frase inacabada, em que, no lugar das palavras, havia um único risco, um borrão, como se a mão daquele que escrevia tivesse saído de seu controle no exato instante em que estava para escrever as respostas.
            Todos, boquiabertos e frustrados, ficaram em silêncio, sem acreditar em tudo aquilo que tinha se passado. Tinham chegado tão perto. Sentiam como se o grande segredo do universo tivesse chegado perto de ser desvendado, tendo ficado ao alcance de sua mão e escapado num lapso, por conta de uma crise histérica de riso, que matou aquele que desvendou o mistério.
            Começaram, um a um, a sair do laboratório destruído, e ficou só uma pessoa lá dentro, que olhava tudo ao redor e falou consigo mesmo e com o espírito do cientista, que ainda continuava ali, rindo.
            - Desgraçado. Descobriu o que passa na cabeça das mulheres e esse foi o seu fim: morreu de tanto rir e não contou pra ninguém! Agora ninguém mais será capaz de desvendar tal mistério.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Brasil, um país sem jeito?

Raiva e impotência são os dois sentimentos que se misturam dentro de mim hoje, na condição de brasileiro. Foi-me ensinado desde que eu me entendo por gente, como se diz popularmente, que no Brasil nada pode dar certo, nunca deu e nunca dará. Cresci com essa visão cristalizada de meu país, e a medida que fui tomando consciência, vi que embora muito disso fosse um preconceito, existia um quê de verdade. Triste constatar tal parcial-verdade quando fui crescendo, mas percebi que havia, ainda, por mais tênue e fraca que fosse, uma luz no fim do túnel. Foi quando comecei a adquirir consciência política, foi quando comecei a me sentir uma célula dentro desse complexo organismo chamado nação-democracia, e portador de tal consciência me dei conta das responsabilidades que recaiam sobre meus ombros. Senti todo o peso da nação sobre meus ombros quando votei pela primeira vez. Queria mudar, fazer valer o meu direito; queria, acima de tudo, mostrar, calar a boca dos que diziam que “O Brasil não tinha jeito”.
            No dia em que votei pela primeira vez, acordei cedo, estava ansioso, sai de casa e fiquei um longo tempo na fila. Mas nunca fiquei tão satisfeito num fila quanto naquele dia! Estava fazendo o que era o certo, estava votando consciente, pois, naquele momento, meus candidatos, os em quem votei tão conscientemente, representavam a mudança não só do país, mas de um preconceito, de uma cultura do não-dar-certo cristalizada. Eu me sentia, naquele momento, como um alguém, um simples anônimo, fazendo história. Meus candidatos saíram todos vitoriosos, e com eles toda a esperança de um país, prova de que o sistema democrático em nosso país havia mostrado o seu valor, prova de que o povo brasileiro havia, finalmente, acordado.
            O tempo passou e tudo o que nós, brasileiros, queríamos ver os resultados imediatos, queríamos que os nossos governantes justificassem a confiança que depositamos neles. Estávamos ansiosos, afinal de contas, vínhamos esperando por aquele momento, de mudança, já há um longo tempo. O tempo foi passando lentamente, se arrastando, e muito pouco estava sendo feito (queríamos que muito estivesse sendo feito), parecia até que mudança alguma estava em curso.
            A eleição seguinte veio e reelegemos os mesmos candidatos, afinal de contas, 4 anos é um tempo muito curto para que uma mudança tão grande fosse feita. Passou-se o tempo e as mudanças aconteceram, aconteceram algumas melhorias, é bem verdade, mas não aconteceu praticamente nada daquilo que nós, esperançosos, esperávamos. Na verdade, em alguns aspectos, tinha-se até a impressão de que o governo e a forma de se fazer política era o mesma de tantos anos antes, se bem que falar “fazer política” era um elogio, já que de política nenhum daqueles que estavam no poder não faziam, mas sim politicagem, algo que já está cristalizado na cultura política de nosso país desde tempos imemoriais.
            O tempo passa, ele nunca deixou de passar, e eis que estávamos à porta de uma nova eleição, e percebemos que a mudança, do jeito que necessitávamos, não viria. Tínhamos, naquela eleição, não muitas opções, e votamos não naquele candidato que queríamos, que achávamos o melhor, mas sim não votamos naquele que não queríamos, votando naquele menos ruim.
            O tempo vai continuar a passar, e de uma coisa eu tenho certeza: o Brasil e sua politicagem vai continuar sendo como é pelos próximos anos, não porque somos um país sem jeito, mas , mas porque, em se tratando de política, o Brasil é o país da politicagem.
            Mas apesar de todos os pesares, o Brasil tem jeito, sim, enquanto houver um alguém que, como eu, sinta raiva e nojo dessa política e dos políticos que aí estão, que se sinta indignado ao se ver tão impotente, ao poder tão pouco.
            Não podemos, nunca, deixar nos desanimar, apesar de tudo convergir para isso, de ser esse o “caminho natural das coisas”, deixar de ter esperanças, pois quando não há mais qualquer tipo de esperança, não há mais nada.
            O Brasil, apesar da ideia cristalizada, que querem que a gente “compre”, não é um país de todo sem jeito, sem jeito mesmo são os políticos que aí estão, e que vão perdurar ainda (infelizmente) por alguns anos, com suas politicagens, e só quem pode dar um jeito nisso tudo somos nós, Brasileiros, somos nós, os que ainda sentem raiva e se sentem impotentes diante de todo o cenário que se descortina perante nossos olhos.